A Educação a Distância no ensino superior público e privado: experiências e contradições
Joanna Paroli*
Dados do Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância apontam que um em cada 73 brasileiros estuda a distância, em diversos níveis de graduação. Esse número demonstra o quanto, ao longo dos anos, a Educação a Distância (EaD) tornou-se presente no cotidiano da educação, em nosso país. Ela é caracterizada, de acordo com o Decreto 5.622/2005, como uma “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”.
Um exemplo interessante sobre educação a distância é o convênio entre o Ministério da Educação e as Secretarias de Políticas para as Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial, que resultou no Programa “Gênero e Diversidade na Escola”. Através dele, 14 mil professores/as, de 5ª à 8ª série do fundamental, já passaram por especialização com o objetivo de estabelecer novos olhares na abordagem em sala de aula. Mais de 15 universidades federais têm oferecido o curso, instrumentalizando profissionais da rede pública de ensino para o seu protagonismo na construção de uma educação não sexista, não racista e não homofóbica.
Em 2005, o governo federal lançou o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), na perspectiva de “ampliar e interiorizar o ensino superior gratuito de qualidade”, bem como oferecer qualificação aos professores da rede básica de ensino. De lá para cá, houve um crescimento estrondoso da EaD, com adesão de diversas IES do país e, em paralelo, muitos problemas em sua concepção. Esse fenômeno foi possível a partir do Decreto do MEC, que permitiu a proliferação de faculdades nessa modalidade com pouco ou nenhum acúmulo sobre a sua função social ou aspectos legais. Hoje, temos mais de 900 mil matrículas na graduação em modalidade EaD e mais algumas milhares de vagas a serem abertas, anualmente. Na capital da Bahia, já são mais de 14 instituições que ofertam graduação nessa modalidade e muitas delas não tem sede no estado, como é o caso da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) que, em parceria com o Ministério da Educação, mantêm pólos para licenciatura em Pedagogia.
Ainda assim, a utilização da EaD pode ser um importante mecanismo na expansão do ensino superior público, se combinado com a construção de mais universidades públicas. Assim como o REUNI e o PROUNI, a experiência da UAB é medida importante por incluir aqueles e aquelas que se mantiveram historicamente renegados a uma ignorância que não acomete as elites. A elas, são resguardados os espaços sociais mais valorizados, como a academia, “guardiã” irretocável dos saberes. A universidade, antes destino dos mais abastados, tem se tornado cada vez mais popular e não se pode diminuir o papel dos movimentos sociais e da UNE em face dessas conquistas.
O setor privado também se apropria da EaD para continuar seu processo de expansão. Isso tem gerado distorções no entendimento sobre EaD e sua importância para o ensino brasileiro. Algumas IES privadas têm visto a modalidade como um mecanismo para diminuir custos e demitir trabalhadores. Mesmo que não o ofereça em sua totalidade, muitas têm introduzido a EaD nas grades curriculares dos seus cursos presenciais. A Portaria do MEC 4.059/2004 respalda essa movimentação, quando autoriza a oferta de até 20% de disciplinas em EaD, na carga horária total do curso. Não aceitaremos essa política! No 12º Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE, em janeiro de 2009, foi aprovada resolução sobre EaD que, dentre outras coisas, denuncia a inserção da modalidade EaD em cursos de graduação de forma descontrolada e pede o estabelecimento de um sistema de avaliação para controle da qualidade e da oferta de vagas na educação à distância.
A permissão de convênios e parcerias para o estabelecimento de EaD nas IES privadas é mais um ponto preocupante. No Decreto que regulamento o setor, o 5.622/2005, o art. 26 dispõe que as instituições credenciadas para oferta de cursos à distância podem formar parcerias e abranger bases territoriais diversas. Há brecha na legislação para que as mantenedoras, muitas delas transnacionais, façam a gestão financeira das instituições de ensino com as quais se associe. É preciso intervir contra a injeção de capital estrangeiro e a desnacionalização da educação.
Desafios para um novo marco regulatório
A EaD é realidade em nosso país. Lutar contra ela não ajuda no processo que construímos cotidianamente pela democratização do ensino superior brasileiro. Hoje, o que está colocado é uma legislação insuficiente no que tange a EaD e uma necessidade vital de sua disputa. O movimento educacional deve lutar por um novo marco regulatório do setor, que impeça o credenciamento descontrolado de instituições, sem quaisquer exigências que garantam a qualidade de ensino.
Há dificuldades concretas de estrutura nas IES que ofertam somente EaD, já que, mesmo tendo que oferecê-la, essa não é uma prática constante nos pólos. Faltam condições básicas, como: bibliotecas com acervo mínimo, laboratórios de informática, funcionários e salas de estudo. Lutamos para que no mínimo 30% dos currículos sejam na modalidade semipresencial, com avaliações presenciais, infra-estrutura para ensino, pesquisa e extensão e supervisão de docentes da área de graduação.
Um dos pilares que sustenta a EaD é justamente a idéia de ser uma política continuada de ensino. Por isso, defendemos que ela seja autorizada prioritariamente para cursos de pós-graduação e profissionalizantes, utilizando critérios que garantam sempre a qualidade da educação ofertada. Para cursos de graduação, entendemos sua justificativa de abertura apenas para regiões afastadas dos grandes centros urbanos. É descabido o número excessivo de faculdades particulares credenciadas para graduação em EaD nas grandes capitais, onde já pesa o fato de existirem outras tantas em modalidade presencial.
É óbvio que a EaD não é a modalidade que resolve nosso problema final, mas é tático utilizá-la de forma emergencial, no setor público, construindo um conjunto de mudanças que possam garantir sua qualidade. Ela tem falhas que podem ser corrigidas, sem que seja necessária a sua desativação. É importante o papel que ela cumpre ao levar o ensino superior a regiões de difícil acesso e garantir a continuidade dos estudos para além da juventude. Através dela, muitos profissionais tem se especializado, ampliando sua mobilidade no mundo do trabalho, ainda tão injusto. Nossa tarefa é organizar a luta pela desmercantilização do ensino. Hoje, apenas 5% dos/as jovens têm acesso à universidade pública. A UAB é mais um passo para tornar público o ensino superior, mas é necessário avançar.
A Conferência Nacional de Educação pode ser um importante espaço de debate e disputa pela regulamentação da EaD. É imprescindível que os setores que compõem o movimento educacional unifiquem uma agenda pela democratização do ensino superior público, que passa também por avaliarmos as contribuições dessa modalidade para a educação brasileira.
Todo direito estudantil deve ser assegurado!
O estudante de graduação em EaD também é universitário. A ele, devem ser garantidas as mesmas políticas e direitos acessíveis aos demais estudantes de cursos presenciais, seja de universidades públicas ou privadas, como: assistência estudantil, meia-entrada e o meio passe no sistema de transporte público. Estes foram benefícios conquistados com muita luta e também surgiram de uma preocupação em garantir uma formação continuada e sistêmica, com acesso amplo ao lazer e aos bens culturais.
Casos de discriminação aos estudantes da rede EaD são constantes e não podem ser tolerados. Um episódio, em especial, tornou-se emblemático. No mês de setembro de 2009, estudantes de EaD, em Salvador, protestaram contra a discriminação sofrida ao utilizar o cartão de meia passagem do SalvadorCard, sistema de bilhetagem eletrônica do serviço de transporte municipal. Sem qualquer aviso prévio, o SETPS resolve fazer valer a Lei Municipal 6.324/2003, que admite a meia passagem apenas para alunos com freqüência diária, em cursos presenciais. De maneira repentina, milhares de estudantes soteropolitanos perderam um direito que, se não estava garantido em Lei, já o era por senso comum, e muitos deles abandonaram seus cursos, sem perspectiva de retorno. Nesse caso, a extensão da meia passagem é urgente, mas como assegurar que os estudantes de EaD não terão seus direitos arrancados, ou mesmo, como garantir igualdade de condições destes em comparação aos que cursam a modalidade presencial?
A confusão é nítida. Como não há muito debate sobre EaD nas entidades estudantis e uma dificuldade latente em organizar o movimento nessas IES, os alunos da modalidade estão à mercê dos empresários, lobistas e conservadores. É tempo da UNE e das UEE’s serem vanguarda na formulação política desse setor, disputando seus marcos regulatórios, fortalecendo nossa agenda pela desmercantilização do ensino e tornando-se referência para esses estudantes, também.
Não interessa o que dizem as elites econômicas do país. Nós temos posição. Estamos ao lado dos estudantes, inclusive dos que aderem à EaD, trabalhadores e trabalhadoras de um país ainda desigual.
Joanna Paroli*
Dados do Anuário Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância apontam que um em cada 73 brasileiros estuda a distância, em diversos níveis de graduação. Esse número demonstra o quanto, ao longo dos anos, a Educação a Distância (EaD) tornou-se presente no cotidiano da educação, em nosso país. Ela é caracterizada, de acordo com o Decreto 5.622/2005, como uma “modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos”.
Um exemplo interessante sobre educação a distância é o convênio entre o Ministério da Educação e as Secretarias de Políticas para as Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial, que resultou no Programa “Gênero e Diversidade na Escola”. Através dele, 14 mil professores/as, de 5ª à 8ª série do fundamental, já passaram por especialização com o objetivo de estabelecer novos olhares na abordagem em sala de aula. Mais de 15 universidades federais têm oferecido o curso, instrumentalizando profissionais da rede pública de ensino para o seu protagonismo na construção de uma educação não sexista, não racista e não homofóbica.
Em 2005, o governo federal lançou o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), na perspectiva de “ampliar e interiorizar o ensino superior gratuito de qualidade”, bem como oferecer qualificação aos professores da rede básica de ensino. De lá para cá, houve um crescimento estrondoso da EaD, com adesão de diversas IES do país e, em paralelo, muitos problemas em sua concepção. Esse fenômeno foi possível a partir do Decreto do MEC, que permitiu a proliferação de faculdades nessa modalidade com pouco ou nenhum acúmulo sobre a sua função social ou aspectos legais. Hoje, temos mais de 900 mil matrículas na graduação em modalidade EaD e mais algumas milhares de vagas a serem abertas, anualmente. Na capital da Bahia, já são mais de 14 instituições que ofertam graduação nessa modalidade e muitas delas não tem sede no estado, como é o caso da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) que, em parceria com o Ministério da Educação, mantêm pólos para licenciatura em Pedagogia.
Ainda assim, a utilização da EaD pode ser um importante mecanismo na expansão do ensino superior público, se combinado com a construção de mais universidades públicas. Assim como o REUNI e o PROUNI, a experiência da UAB é medida importante por incluir aqueles e aquelas que se mantiveram historicamente renegados a uma ignorância que não acomete as elites. A elas, são resguardados os espaços sociais mais valorizados, como a academia, “guardiã” irretocável dos saberes. A universidade, antes destino dos mais abastados, tem se tornado cada vez mais popular e não se pode diminuir o papel dos movimentos sociais e da UNE em face dessas conquistas.
O setor privado também se apropria da EaD para continuar seu processo de expansão. Isso tem gerado distorções no entendimento sobre EaD e sua importância para o ensino brasileiro. Algumas IES privadas têm visto a modalidade como um mecanismo para diminuir custos e demitir trabalhadores. Mesmo que não o ofereça em sua totalidade, muitas têm introduzido a EaD nas grades curriculares dos seus cursos presenciais. A Portaria do MEC 4.059/2004 respalda essa movimentação, quando autoriza a oferta de até 20% de disciplinas em EaD, na carga horária total do curso. Não aceitaremos essa política! No 12º Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE, em janeiro de 2009, foi aprovada resolução sobre EaD que, dentre outras coisas, denuncia a inserção da modalidade EaD em cursos de graduação de forma descontrolada e pede o estabelecimento de um sistema de avaliação para controle da qualidade e da oferta de vagas na educação à distância.
A permissão de convênios e parcerias para o estabelecimento de EaD nas IES privadas é mais um ponto preocupante. No Decreto que regulamento o setor, o 5.622/2005, o art. 26 dispõe que as instituições credenciadas para oferta de cursos à distância podem formar parcerias e abranger bases territoriais diversas. Há brecha na legislação para que as mantenedoras, muitas delas transnacionais, façam a gestão financeira das instituições de ensino com as quais se associe. É preciso intervir contra a injeção de capital estrangeiro e a desnacionalização da educação.
Desafios para um novo marco regulatório
A EaD é realidade em nosso país. Lutar contra ela não ajuda no processo que construímos cotidianamente pela democratização do ensino superior brasileiro. Hoje, o que está colocado é uma legislação insuficiente no que tange a EaD e uma necessidade vital de sua disputa. O movimento educacional deve lutar por um novo marco regulatório do setor, que impeça o credenciamento descontrolado de instituições, sem quaisquer exigências que garantam a qualidade de ensino.
Há dificuldades concretas de estrutura nas IES que ofertam somente EaD, já que, mesmo tendo que oferecê-la, essa não é uma prática constante nos pólos. Faltam condições básicas, como: bibliotecas com acervo mínimo, laboratórios de informática, funcionários e salas de estudo. Lutamos para que no mínimo 30% dos currículos sejam na modalidade semipresencial, com avaliações presenciais, infra-estrutura para ensino, pesquisa e extensão e supervisão de docentes da área de graduação.
Um dos pilares que sustenta a EaD é justamente a idéia de ser uma política continuada de ensino. Por isso, defendemos que ela seja autorizada prioritariamente para cursos de pós-graduação e profissionalizantes, utilizando critérios que garantam sempre a qualidade da educação ofertada. Para cursos de graduação, entendemos sua justificativa de abertura apenas para regiões afastadas dos grandes centros urbanos. É descabido o número excessivo de faculdades particulares credenciadas para graduação em EaD nas grandes capitais, onde já pesa o fato de existirem outras tantas em modalidade presencial.
É óbvio que a EaD não é a modalidade que resolve nosso problema final, mas é tático utilizá-la de forma emergencial, no setor público, construindo um conjunto de mudanças que possam garantir sua qualidade. Ela tem falhas que podem ser corrigidas, sem que seja necessária a sua desativação. É importante o papel que ela cumpre ao levar o ensino superior a regiões de difícil acesso e garantir a continuidade dos estudos para além da juventude. Através dela, muitos profissionais tem se especializado, ampliando sua mobilidade no mundo do trabalho, ainda tão injusto. Nossa tarefa é organizar a luta pela desmercantilização do ensino. Hoje, apenas 5% dos/as jovens têm acesso à universidade pública. A UAB é mais um passo para tornar público o ensino superior, mas é necessário avançar.
A Conferência Nacional de Educação pode ser um importante espaço de debate e disputa pela regulamentação da EaD. É imprescindível que os setores que compõem o movimento educacional unifiquem uma agenda pela democratização do ensino superior público, que passa também por avaliarmos as contribuições dessa modalidade para a educação brasileira.
Todo direito estudantil deve ser assegurado!
O estudante de graduação em EaD também é universitário. A ele, devem ser garantidas as mesmas políticas e direitos acessíveis aos demais estudantes de cursos presenciais, seja de universidades públicas ou privadas, como: assistência estudantil, meia-entrada e o meio passe no sistema de transporte público. Estes foram benefícios conquistados com muita luta e também surgiram de uma preocupação em garantir uma formação continuada e sistêmica, com acesso amplo ao lazer e aos bens culturais.
Casos de discriminação aos estudantes da rede EaD são constantes e não podem ser tolerados. Um episódio, em especial, tornou-se emblemático. No mês de setembro de 2009, estudantes de EaD, em Salvador, protestaram contra a discriminação sofrida ao utilizar o cartão de meia passagem do SalvadorCard, sistema de bilhetagem eletrônica do serviço de transporte municipal. Sem qualquer aviso prévio, o SETPS resolve fazer valer a Lei Municipal 6.324/2003, que admite a meia passagem apenas para alunos com freqüência diária, em cursos presenciais. De maneira repentina, milhares de estudantes soteropolitanos perderam um direito que, se não estava garantido em Lei, já o era por senso comum, e muitos deles abandonaram seus cursos, sem perspectiva de retorno. Nesse caso, a extensão da meia passagem é urgente, mas como assegurar que os estudantes de EaD não terão seus direitos arrancados, ou mesmo, como garantir igualdade de condições destes em comparação aos que cursam a modalidade presencial?
A confusão é nítida. Como não há muito debate sobre EaD nas entidades estudantis e uma dificuldade latente em organizar o movimento nessas IES, os alunos da modalidade estão à mercê dos empresários, lobistas e conservadores. É tempo da UNE e das UEE’s serem vanguarda na formulação política desse setor, disputando seus marcos regulatórios, fortalecendo nossa agenda pela desmercantilização do ensino e tornando-se referência para esses estudantes, também.
Não interessa o que dizem as elites econômicas do país. Nós temos posição. Estamos ao lado dos estudantes, inclusive dos que aderem à EaD, trabalhadores e trabalhadoras de um país ainda desigual.
Joanna Paroli é Diretora de Universidade Privadas da UNE e militante da Marcha Mundial das Mulheres
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